topo
linha2

Fotogaleria

 

» Home » Crónicas e Artigos » Victor Rui Dores » No Mais Profundo das Águas,
de Norberto Ávila ou a expressão de uma escrita literária 

 

No Mais Profundo das Águas, de Norberto Ávila
ou a expressão de uma escrita literária

 

Não  é impunemente que se é dramaturgo, tradutor, poeta e romancista.

Observador infatigável dotado de discernimento crítico, a viver em permanente desassossego criativo, Norberto Ávila reinventa uma contínua e continuada necessidade de expressão literária, escrevendo com mestria narrativa e imaginação verbal. É conhecido o seu intenso e obstinado trabalho oficinal, ele que é autor do apuro formal, da exigência estética, da preocupação estilística.

Há, efectivamente, uma qualidade literária que escreve Norberto Ávila, qualidade literária essa que perpassa toda a sua obra dramatúrgica, que inclui 29 títulos e traduções em 16 idiomas. Aliás, as suas peças são elas próprias um belíssimo exercício literário. Embora um texto teatral tenha como objectivo maior a sua representação, o que é facto é que cada peça de Norberto Ávila se lê com o mesmo prazer com que se lê um romance.

Estamos perante uma escrita requintada, engenhosa e eivada de uma fina ironia, apanágio de quem escreve comédias de enganos e sátiras sócio políticas…

Norberto Ávila domina a carpintaria literária tão bem como o faz com a carpintaria teatral. Os seus romances Frente à Cortina de Enganos e A Paixão Segundo João Mateus são precisamente a transposição de uma linguagem dramatúrgica para um discurso de ficção narrativa. Isto é, o autor transformou duas peças de teatro em dois romances, ainda inéditos.

De um escritor diz-se sempre que o seu melhor livro é aquele que ainda não escreveu. Até ver, No Mais Profundo das Águas (Salamandra, 1998), que aquando da sua publicação passou completamente despercebido entre nós, é o melhor romance de Norberto Ávila.

Através de um narrador omnipresente e omnisciente, esta obra lança olhares sobre o poeta filósofo Antero Tarquínio de Quental e à Geração de 70, e é, por assim dizer, uma viagem histórica, social e cultural pelo século XIX português e europeu.

Acima de tudo, o livro traça um retrato profundamente humano de Antero, esse “génio que era um santo”, no dizer de Eça de Queiroz. Não se trata, porém, de uma biografia romanceada, já que Norberto Ávila renunciou à cronologia, optando por bem conseguidas elipses e analepses (digo, “flashbacks”), o que empresta a este livro grandes potencialidades cinematográficas. Estamos na presença de uma biografia literária, um relato minucioso da época de Antero, da sua vida nas ilhas, em Portugal e no estrangeiro, bem como das personalidades com quem conviveu, havendo a destacar a íntima amizade que manteve com o historiador Oliveira Martins.

Ao ler este livro entramos na intimidade de “figuras de alto coturno” e que, de igual modo, ajudaram a construir o século XIX português: Eça de Queiroz, Guerra Junqueiro, João de Deus, Batalha Reis, Germano Meireles, Alberto Sampaio, Teófilo Braga, José Fontana, Bulhão Pato, Adolfo Coelho (o primeiro português a ter a coragem de preconizar a separação do Estado e da Igreja), Salomão Sáragga, entre tantos outros nomes que questionaram Portugal e entreviram a direcção definitiva do pensamento europeu. Aqui também se evocam e convocam nomes como Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Júlio Dinis, Bordalo Pinheiro, Columbano, António Feliciano de Castilho, Joaquim de Vasconcelos, Carolina Michaelis. E aqui se recordam autores estrangeiros indissociáveis da Geração de 70: Flaubert, Proudhon, Victor Hugo, entre outros.

Há  também figuras obscurantistas, gente conservadora da tradição e do passado: Basílio de Sousa Pinto, o tenebroso reitor da Universidade de Coimbra, “inimigo de estimação” de Antero; o marquês Ávila e Bolama, que assinou a portaria que mandava encerrar definitivamente as Conferências Democráticas… Mas, ainda e sempre, é a figura de Antero que prevalece, um homem que, durante os 49 anos que viveu, ousou sonhar uma nova forma de sociedade para o nosso país. “Portugal ou se reformará política, intelectual e moralmente, ou deixará de existir”, escreveu ele no dia 26 de Janeiro de 1890, no jornal “A Província”. Palavras de uma brutal actualidade!

No Mais Profundo das Águas traça ainda importantes retratos de gente açoriana que privou de perto com Antero: José Bensaúde, Afonso Chaves, Carlos Machado, Tavares Carreiro, Montalverne de Sequeira, entre outros.

A celebrar este ano 50 anos de actividade literária, Norberto Ávila escreve bem e descreve ainda melhor. Os relatos que nos faz referentes às peripécias que envolveram as Conferências do Casino são de antologia. E inesquecíveis são as páginas dedicadas ao suicídio de Antero.

Estamos perante um livro (universal e intemporal) com grande poder evocativo e boa capacidade expressiva que o leitor mais distraído ainda vai a tempo de ler.

O açoriano Norberto Ávila não é só um dramaturgo consagrado, dentro e fora de Portugal, é também um ficcionista de grande qualidade literária.

Por conseguinte, estejamos atentos a este autor que ajuda a engrandecer a língua portuguesa.  

Queremos ouvir a sua opinião, sugestões ou dúvidas:

info@adiaspora.com

Voltar para Crónicas e Artigos

bottom
Copyright - Adiaspora.com - 2007